Sucessão Familiar em empresas: como garantir a continuidade e a prosperidade do negócio

A Sucessão Familiar em empresas é um tema complexo e muitas vezes desafiador. Só no Brasil, segundo dados do IBGE, 90% das empresas têm perfil familiar e são responsáveis pela empregabilidade de 75% dos trabalhadores brasileiros e 65% do PIB nacional. Mesmo sendo a grande maioria, os índices de sobrevivência dessas companhias são de apenas 5% e são vários os desafios e obstáculos que podem levar a esse resultado. Em números mundiais, segundo os dados do Índice de Empresas Familiares da EY (Ernst & Young Global Limited) e da Universidade de St. Gallen de 2023, Index de 2023, as 500 maiores empresas familiares do mundo obtiveram, coletivamente, uma receita de US$ 8.02 trilhões de dólares em comparação com 2021. Assim, garantir o crescimento e a rentabilidade destas empresas ao longo das gerações é crucial. 

Neste artigo, vamos explorar os desafios comuns enfrentados por empresas familiares, destacando pontos como o planejamento, a comunicação e os alinhamentos internos, bem como os instrumentos legais e financeiros relevantes.

Os desafios da Sucessão Familiar

A Sucessão Familiar em empresas é frequentemente afetada por situações que podem prejudicar a transição da liderança de uma geração para a próxima. Dentre as mais comuns estão:

  1. Sucessão da primeira para a segunda geração: é fato que fundadores de empresas têm dificuldades no planejamento para dar continuidade ao negócio. Às vezes, por uma questão subjetiva de resistência às mudanças ou por não acreditar na substituição ou, ainda, por força de uma gestão mais autoritária, sem o devido preparo e treinamento dos futuros líderes. É de extrema importância que o fundador esteja disposto e aberto a lidar com a sucessão de forma tranquila, executando um planejamento de longo prazo;  
  2. Lacuna na capacitação do sucessor: o sucessor, muitas vezes, não possui a formação e a experiência necessárias para assumir a liderança da empresa, seja por falta de experiência, de preparo gerencial e por ter uma visão limitada ou diferente do negócio, em relação ao seu fundador;
  3. Interferência decorrente de relacionamento familiar: os conflitos familiares e a falta de distinção entre os interesses da família e da empresa podem dificultar em muito a sucessão. Escolher um sucessor entre os herdeiros pode ser um desafio, mas é muito importante que o fundador entenda que os filhos estão herdando não apenas um patrimônio, mas principalmente a responsabilidade pela empresa perante colaboradores, sócios e/ou acionistas;  
  4. Resistência do sucedido para desligar-se da empresa: o processo sucessório em empresas familiares implica em transformações culturais, sendo essencial que o fundador sinta que está concluindo uma missão para iniciar uma nova, e que haja confiança e desapego ligados à preparação dos herdeiros, combinando tradição e inovação;
  5. Restrições à profissionalização da empresa: o profissionalismo transcende laços familiares e se baseia em atitudes e cultura empresarial. Estudos sobre empresas familiares mostram que a maioria delas é composta por uma mistura de “profissionais familiares e não familiares” que trabalham em harmonia. A resistência em buscar consultoria externa ou profissionalização pode atrasar a transição.
  6. Posicionamento da equipe: funcionários mais antigos também podem resistir à sucessão, especialmente se não confiarem no sucessor. Tal resistência decorre, muitas  vezes, da ausência de alinhamentos para a transição e da falta de planejamento mencionada acima.

Então como garantir a continuidade do negócio familiar?

Aqui vão algumas recomendações relevantes:

  • Estimular as futuras gerações de sucessores a empreender: incentivar os membros da família a buscar seus próprios negócios e empreender, antes de fazerem parte da empresa que será por eles sucedida;
  • Manter proximidade com sucessores: uma vez inseridos na empresa, a melhor forma de fazer uma transição tranquila em uma empresa familiar é fazer com que o sucessor esteja à frente dos negócios e conheça todos os processos da empresa, seus colaboradores, clientes e fornecedores;
  • Definir regras de participação da família: estabelecer condições claras para a sucessão, incluindo o processo e o tempo envolvidos. Neste âmbito, tem-se dois documentos relevantes: o Protocolo Familiar, definindo direitos, obrigações, regras, responsabilidades e sanções aos membros da empresa; e também o Acordo de Sócios, definindo a forma de entrada, as condições de saída e o prazo de pagamento aos familiares que decidam pela sua retirada da empresa;
  • Elaborar um plano de desenvolvimento profissional: capacitar os membros da família para assumir cargos estratégicos na empresa, evitando atribuir responsabilidades sem experiência prévia no cargo. Isso inclui treinamentos de gestão e formação de líderes;
  • Elaborar planejamento estratégico: ter um objetivo claro é essencial para que todos na empresa, tanto gestores quanto colaboradores, saibam exatamente qual o propósito da empresa e a importância do que fazem. Por meio de um planejamento de longo prazo e visando um crescimento sustentável e rentável, é possível fazer uma sucessão mais tranquila, visto que os objetivos estarão alinhados e todos buscarão o mesmo resultado;
  • Estabelecer um plano de aposentadoria: a implementação de um plano de sucessão familiar deve ser iniciada mesmo antes de um profissional manifestar interesse em se afastar de suas responsabilidades, seja por aposentadoria ou busca por uma nova trajetória profissional. Na ausência de um plano meticulosamente estruturado, a transferência de ativos e a condução dos assuntos empresariais no contexto previdenciário podem representar um desafio específico. Portanto, é de suma importância antecipar essa etapa, estabelecendo previamente os futuros herdeiros, delineando claramente os direitos e deveres de cada um e definindo a estratégia para a administração dos recursos previdenciários;
  • Criar um Conselho de Administração: se os membros da família não estiverem aptos, vale considerar a contratação de um profissional externo e criar um Conselho de Administração dentro da empresa. Este Conselho, através da Governança Corporativa, desempenha um papel fundamental na gestão de conflitos geracionais e na garantia da continuidade estratégica dos negócios, evitando que as interferências do mercado, da economia e das relações familiares causem problemas. Também é através da Governança que o Conselho poderá conduzir e impulsionar a empresa em práticas ESG (Environmental, Social and Governance) durante a sucessão;
  • Contratar ajuda externa: procure consultoria profissional para facilitar o processo de sucessão de forma imparcial e transparente. Estes profissionais podem auxiliar na otimização da sucessão, não apenas no que se refere ao planejamento e desenvolvimento estruturado da sucessão familiar, mas também criando normas e conduzindo o processo dentro do ambiente empresarial, de modo a contemplar todas as demandas para superar os desafios do processo sucessório e alcançar a profissionalização da empresa, e
  • Comunicar abertamente: manter uma comunicação aberta com todos os membros da família e colaboradores, esclarecendo dúvidas, gerindo expectativas e traçando planos de ação para todos os envolvidos.

O papel jurídico na Sucessão Familiar

A sucessão familiar é um processo delicado e complexo, que compreende tanto aspectos emocionais quanto legais, financeiros e organizacionais. A presença de um advogado é fundamental para garantir uma transição suave, justa e legalmente sólida. 

Mas de que forma um advogado pode ajudar? 

Por meio do Planejamento Sucessório, para auxiliar na elaboração de um plano de sucessão que determine como a transição deve ocorrer, incluindo a definição de prazos, responsabilidades e critérios para a seleção dos sucessores. Vale também destacar outros pontos importantes:

  1. Elaboração de Documentos: para que a sucessão ocorra de forma legal, é necessária a elaboração de diversos documentos, como a constituição de holdings familiares, escrituras públicas de testamentos, doações, contratos de compra e venda de quotas, acordos de cotistas, entre outros. O advogado assegurará que todos os documentos necessários estejam de acordo com a legislação vigente e representem os interesses e desejos do patriarca e da matriarca;
  2. Mediação de conflitos: é fato que, em muitos casos, a sucessão familiar pode gerar conflitos entre os membros da família. O advogado pode atuar como mediador, buscando soluções que atendam aos interesses de todas as partes envolvidas;
  3. Assessoria em impostos e tributação: a transmissão de bens e quotas de uma empresa tem implicações fiscais. Um advogado pode ajudar a estruturar a sucessão de maneira a minimizar o impacto fiscal, garantindo o cumprimento de todas as obrigações tributárias;
  4. Revisão de estatutos e acordos: para facilitar a sucessão, pode ser necessário revisar ou modificar estatutos sociais, acordos de acionistas ou outros documentos corporativos. O advogado pode orientar sobre as melhores práticas e garantir a legalidade das mudanças;
  5. Governança Corporativa: a introdução ou revisão das práticas de Governança Corporativa pode ser útil para garantir uma transição mais suave e uma gestão mais eficaz após a sucessão. Um advogado pode ajudar a implantar mecanismos de governança adaptados às necessidades da empresa e da família. Vale lembrar que os investidores estão cada vez mais atentos aos fatores ambientais, sociais e de governança (ESG) para avaliar as empresas nas quais investem. Uma análise mais aprofundada revela que a promoção da governança corporativa de alta qualidade é fundamental para a implementação das melhores práticas ESG. A eficácia da governança desempenha um papel crucial no sucesso do longo prazo de uma empresa e pode ter um impacto específico em seu desempenho ambiental e social, incluindo a capacidade de gerenciamento de riscos relacionados a questões como mudanças climáticas, direitos humanos e práticas trabalhistas. Além disso, uma governança adequada garante que uma empresa opere de maneira responsável e sustentável;
  6. Planejamento Patrimonial: pode ser benéfico separar os bens pessoais dos familiares dos bens da empresa, para proteger o patrimônio pessoal dos sócios em caso de eventualidades nos negócios. O advogado pode aconselhar sobre as melhores estratégias para isso;
  7. Respeito aos direitos dos herdeiros: garantir que os direitos de todos os herdeiros sejam respeitados, evitando-se futuras ações judiciais, e
  8. Integração com outros profissionais: em muitos casos, a sucessão familiar requer uma abordagem interdisciplinar. O advogado pode trabalhar em conjunto com contadores, consultores de negócios e outros profissionais para garantir uma sucessão exitosa.

Exemplos de sucesso e fracasso na sucessão de empresas familiares

Há diversos exemplos de casos bem e mal sucedidos de Sucessão Familiar. Entre os casos de sucesso, destacam-se a Magazine Luiza, Votorantim, Globo Comunicação, Porto Seguro e Grendene. Essas empresas provam que empresas familiares não estão fadadas a serem pequenos negócios, como muitos acreditam. Muito pelo contrário, todas elas têm em comum um planejamento sucessório muito bem-sucedido.

Grupo Votorantim

É um caso notável de êxito na sucessão familiar. Iniciou com Antônio Pereira Ignácio, que gradualmente transferiu o controle para seu genro, José Ermírio de Moraes, que seguiu com o planejamento de forma sucessiva. Com a morte de José Ermírio, seu filho Antônio Ermírio de Moraes o substituiu na empresa, e em 2001, a terceira geração da família assumiu o comando. Foram criados conselhos e diretorias, incluindo um conselho familiar para tratar de questões familiares, e um conselho de gestão com representantes da família para decisões estratégicas. O Grupo hoje está em 19 países,  com investimentos nos segmentos de mineração, cimento, energia, finanças, investimentos imobiliários e produção de suco de laranja concentrado, contando com mais de 34 mil colaboradores. 

Indústrias Matarazzo

Já o mesmo êxito não ocorreu no caso da sucessão familiar das Indústrias Martarazzo. O Grupo Matarazzo chegou a ser o maior da América Latina e, durante seu apogeu, na década de 1940, contava com 350 empresas nos ramos de alimentos, tecidos, bebidas, transportes terrestres e marítimos, portos, ferrovias, estaleiros, metalúrgicas, agricultura, energia, bancos, imóveis e outros.  Entrou em decadência sob o comando de Maria Pia Matarazzo, devido à falta de planejamento sucessório adequado. A sucessão foi tumultuada e baseada em razões afetivas, não em habilidades empresariais, levando à queda da empresa.

Em resumo, a sucessão em empresas familiares é um assunto crítico que requer atenção, planejamento cuidadoso e a assessoria de profissionais de diversas áreas. Casos de sucesso demonstram a importância de um planejamento estruturado e de longo prazo, com transparência e profissionalismo, para garantir a continuidade e o sucesso da empresa familiar.

Tem alguma dúvida? Nós da Maragno Advogados teremos prazer em ajudar. Entre em contato.

Artigo escrito por Paula de Maragno, Sócia Fundadora da Maragno Advogados.